Soltas as asas da rebeldia,
Num sonho da metamorfose,
Na sombra do triste meio-dia
Arde a impura por falta da dose.
A piedade dum escuro rosto,
Sua alma assim pulsa e se esvazia,
Em vapores do instante perde o gosto,
Chega de sonhar à vida que se perdia.
Sentada na berma duma estrada,
Da parede nua faz encosto,
Fulminante sua inocência frustrada,
Sem nada, apenas sem nada...
O seu corpo tolhido de tremura,
Ela sente-a forte, essa dor crispada,
Falta sempre tudo, a dose e a ternura.
A dor não pára porque abunda.
Tu menina com rosto de drogada,
Cara linda mas tão triste e dura,
Abismo por punhado de dinheiro
Vendes-te por puta mesmo não o sendo,
Abraças homens ao teu seio,
Para adiar a dor por mais um tempo...
O céu clareia quando te injectas
O sol brilha e até amaina o vento,
Desta realidade tu desertas,
Espelhas o mundo de sentimento,
Mas enquanto a dose faz efeito,
É que dura esse momento...
Sujo o tempo sem respeito,
Depois, punho fechado a direito,
Que tua face mais negra recebia,
Imagem de uma verdade medonha,
Ditada pela força da heroína,
Da falta de mais uma dose sem tento,
A dor volta outra vez sem vergonha,
Milhares de ciclos até ao fim do alento,
Até que a morte viole e se ponha...
E assim fica sujo o tempo.
Assin: Artur Rebelo
Incluído na colecção "Dores"